Lamartine e uma brincadeira do destino
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No princípio da década de trinta, Lamartine Babo
mantinha correspondência com uma jovem mineira chamada Nair, residente
na cidade de Dores de Boa Esperança. Certo dia, ao visitar a cidade,
Lamartine veio a saber que, na verdade, quem correspondia com ele era um
admirador seu, o dentista Carlos Alves Neto, que utilizava o pseudônimo
de Nair, nome de uma menina, sua sobrinha. Segundo amigos, Lamartine ficou
muito decepcionado.
Em homenagem à imaginada Nair, Lamartine Babo compôs o samba-canção
Serra
da Boa Esperança.
Saudades de Matão... ou de Franca?
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A valsa Saudades de Matão (1904), teve sua autoria
reivindicada durante anos por vários compositores. De acordo com
as pesquisas de Almirante, o verdadeiro autor é Jorge Galati, compositor
nascido na Itália e que residiu em diversas cidades do interior
do Estado de São Paulo.
Quando compôs a valsa, Galati denominou-a Francana.
Por volta de 1912, o músico Pedro Cherches de Aguiar trocou o título,
à revelia do compositor e, futuramente, reivindicou para si a autoria,
estabelecendo grande polêmica nos meios radiofônicos.
Dentre vários autores que também reivindicaram a autoria
da valsa, encontra-se Antenógenes Silva, que registrou um arranjo
sobre o tema.
Em 1938, trinta e quatro anos após ter sido composta, a valsa Saudades
de Matão recebeu letra de Raul Torres.
Boa Noite Amor - Good-nigth sweetheart
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A valsa Boa Noite Amor (1936), de José Maria de Abreu
e Francisco Matoso, era o prefixo do programa de Francisco Alves no rádio.
Esta valsa, curiosamente, tem uma versão em inglês,
de Maria C. Rego: “Good-nigth sweetheart/ my love divine/ my dreamsbelong
to you...”.
Além de tê-la gravado duas vezes (1936 e 1950), Francisco
Alves costumava gravar programas usando-a como prefixo. O último
de sua vida foi gravado no Largo da Concórdia em São Paulo
(26/09/52). No dia seguinte, faleceu tragicamente em um acidente na via
Dutra. Ironia do destino: Chico tinha medo de viajar de avião
e preferia ir de carro de São Paulo para o Rio.
A valsa Flor do Mal, do violonista Santos Coelho, originariamente
chamava-se Saudade Eterna, com versos de Catulo da Paixão
Cearense (1909).
O poeta Domingos Correia, entretanto, compôs a outra
versão - que viria a tornar-se sucesso (1912), inspirado na figura
de Arminda, uma jovem por quem era apaixonado e não-correspondido.
Os versos, amargos e dolorosos, refletem a tristeza do poeta que chegou
ao ponto de suicidar-se ingerindo desinfetante Lisol, numa casa de chope,
no Rio, em 1912.
Nada além de uma ilusão...
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O foxe-canção(1937) Nada Além, de Custódio
Mesquita e Mário Lago, fazia parte de uma peça teatral cômico-romântica,
em que um sujeito, olhando a vitrine de uma loja, ficava indeciso. Quando
lhe era perguntado o que desejava, ele respondia: Nada além,
nada além de uma ilusão.
Assim que Orlando Silva, convidado propositadamente a assistir à
peça, ouviu-a, solicitou a partitura para gravá-la imediatamente
e fez grande sucesso já no início de 1938.
Luar do sertão... (do Humaitá)
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A toada Luar do Sertão (1914) reivindicada por Catulo
da Paixão Cearense como autor único, deve ter apenas a letra
composta por ele, pois provavelmente é adapatação
de uma melodia de domínio popular, recolhida e modificada por João
Pernambuco - “É do Maitá” ou “É do Humaitá”.
Homem simples, semi-analfabeto, João Pernambuco tinha pouca noção
de direitos autorais. Entretanto, contou com defensores ilustres como Almirante
e Heitor Villa-Lobos que, embora não conseguindo o reconhecimento
oficial, deram-lhe credibilidade.
O próprio Catulo, numa ocasião, disse a Joel Silveira que
compusera Luar do Sertão ouvindo uma melodia antiga
cujo estribilho era “É do Maitá”.
Partiu ainda de Almirante a iniciativa de tornar Luar do Sertão
o prefixo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro (1939).
O Danúbio Azul brasileiro = Despertar na Montanha
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Quando Eduardo Souto mostrou, ao piano, sua composição O
Despertar da Montanha ao professor Guilherme Fontainha,
este lhe disse: - “Você acabou de compor seu Danúbio Azul!”.
De fato, foi sucesso imediato. Curiosamente, o disco apresentava na capa
uma cena de montanha européia, com pastor, flauta, cão e
ovelhas, mas, com certeza, a montanha à qual Eduardo Souto se refere
faz parte da paisagem de Santos, sua terra-natal.
Rapaziada do Brás... da Mooca... do bom Retiro...
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A valsa Rapaziada do Brás foi composta em 1917 por
um menino de 15 anos, que viria a se tornar o Maestro Alberto Marino, mas
a música só ficou conhecida na década seguinte, com
o primeiro disco.
Foi uma homenagm ao bairro de infância do autor e serviu de inspiração
para outras valsas bairristas, como Rapaziada da Mooca e Rapaziada
do Bom Retiro.
O Carinhoso que ficou esquecido...
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Pixinguinha compôs o choro-canção Carinhoso
em 1917, mas não teve coragem de expor a composição
porque ela possuía apenas duas partes, quando o padrão vigente
para choro, na época, era de três partes. Carinhoso
só
seria gravado pela primeira vez em 1929 pela orquestra Víctor-Brasileira,
dirigida por Pixinguinha.
A letra seria escrita por Braguinha, às pressas, em 1936, quando
a cantora Heloísa Helena foi solicitada pela primeira dama D. Darcy
Vargas a apresentar uma canção que marcasse sua presença
numa encenação teatral de caráter assistencial. Heloísa
Helena sugeriu a Braguinha (João de Barro) colocar versos no choro
Carinhoso. Após contactar Pixinguinha, Braguinha fez a letra
e entregou-a no dia seguinte à cantora.
A gravação de Carinhoso, com letra, foi recusada por vários
cantores até que Orlando Silva a gravou, em 1937, com enorme sucesso.
Carinhoso é uma das composições brasileiras
com maior número de gravações, por diferentes intérpretes,
em todos os tempos, e tida como inesquecível em várias enquetes
realizadas.
O Chão de Estrelas que fascina os poetas
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Sílvio Caldas, em 1935, apresentou ao poeta Guilherme de Almeida
uma composição intitulada Foste a Sonoridade que Acabou.
Após a apresentação, o título foi mudado para
Chão
de Estrelas, por sugestão do poeta, que ficou fascinado
com as imagens da poesia.
Outros poetas ficaram fascinados pela composição, como Manuel
Bandeira que considerou o verso “tu pisavas os astros distraída”
o mais bonito de nossa língua. A música foi composta por
Sílvio Caldas em cima de um poema, de versos decassílabos,
de Orestes Barbosa, que relutou em aceitar que fosse musicado.
A Rosa esquecida por vinte anos...
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A valsa Rosa, gravada por Orlando Silva em 1937, foi composta
por Pixinguinha em 1917 ( à mesma época de Carinhoso),
com o título de Evocação, só recebendo
letra anos depois. Segundo Pixinguinha, o autor da letra era um jovem mecânico,
muito inteligente, que faleceu novo.
Após a morte de sua mãe, em 1968, Orlando Silva não
conseguia mais cantar a música, sem chorar, pois era a preferida
dela.
Os Guardiães da Música Brasileira preservando
a memória musical
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Pelo menos no que diz respeito aos velhos clássicos da MPB, a tecnologia
a laser, o CD, está-se curvando aos antigos discos de 78 rotações.
Estes discos - feitos de uma mistura de cera de carnaúba e asfalto,
e às vezes até de goma laca - têm substituído
as matrizes de metal, sumidas dos arquivos das gravadoras, que não
costumam dar importância à memória. Na hora de lançar
uma coletânea de algum artista antigo, essas mesmas gravadoras acabam
tendo de recorrer a colecionadores que tenham os discos originais.
O descaso é tanto que muitas gravadoras chegaram a vender suas matrizes
para o ferro-velho ou mesmo jogaram fora por falta de espaço. É
nessa hora que os velhos e pesados 78 rotações são
a única solução. Para passar o som do antigo disco
para o CD, ou mesmo para LPs de vinil, as gravadoras o fazem primeiro para
uma fita magnética. O disco, obviamente, tem de estar em excelentes
condições, o que o torna ainda mais raro.
Em 1992, os colecionadores Paschoal Galati Filho, de Campinas, e
Miécio Caffé, cartunista, em entrevista ao Diário
Popular, falavam da dificuldade de se relançar um clássico
por este motivo: para eliminar o chiado, os técnicos primeiro diminuem
os agudos, o que sacrifica a qualidade original do som. O cartunista Miécio,
inclusive, não só empresta os discos, como faz a produção
da coleção, pois as gravadoras são muito ignorantes
em relação à MPB antiga, tanto que já em 1968
a RCA não tinha os originais de Zequinha de Abreu e Ataulfo Alves
para fazer relançamentos.
Em 1975, a luta por preservar a memória da MPB reuniu pesquisadores
de todo o Brasil, os quais, juntos, fundaram uma Associação,
em Curitiba, catalogando todos os discos lançados no País,
de 1902 a 1964.
Devido ao belíssimo trabalho desses guardiães, ainda se conservam
raridades, como o primeiro disco de Vicente Celestino, com a faixa Flor
do Mal, de 1916; o primeiro de Francisco Alves (Pé
de Anjo), de 1923, Sodade Cabocla, da cantora sertaneja
Stefana de Macedo e o primeiro de Nélson Rodrigues (Se Eu
pudesse um Dia). |